domingo, 26 de setembro de 2021

UMA HISTÓRIA INSPIRADORA

    Era um domingo como qualquer outro: seu pai acordou inspirado para cortar a grama do quintal e a corda do cortador arrebentou. Como ele estava inspirado, tomou coragem e saiu para ir comprar em um bairro que tem proximo aqui de casa. Apesar de ainda não ser nem 9h, o calor de Cuiabá já estava maltratando, uns 35 graus, com certeza. Moramos próximos a uma BR, e, já chegando no acesso, ele viu uma mãe com duas crianças caminhando no acostamento. Uma cena difícil de assistir, e , pra ficar ainda mais difícil, a mãe estava descalça no asfalto quente, e as crianças eram pequenas. Ele passou por eles e sentiu a garganta apertar. Não se aguentou, foi até o posto um pouco mais adiante, comprou um par de chinelos para a mãe, água e o que conseguiu encontrar lá para eles comerem. Fez o retorno e os encontrou parados em um ponto de ônibus. A mãe falou que estavam a caminho de Rondonópolis (uns 200 km de onde estavam) e pretendia ia à pé mesmo, se fosse preciso. Seu pai se despediu deles com o coração apertado e os desejou boa sorte. Fez o que tinha que fazer e voltou pra casa. Me contou a história com a garganta apertada, e não conseguiu aguentar, desabou no choro. Pensar que tão perto de nós, haviam pessoas tão, mas tão vulneráveis, nos deixou sem chão. Eu fiquei aflita e comecei a me vestir, e separar roupas suas para doar para essa família, mas não podia perder tempo, corria o risco de não conseguir encontra-los. Falei para seu pai "temos que fazer mais por eles", e sai às pressas. Por sorte consegui encontra-los no mesmo ponto de onibus, acho que iriam esperar alguma carona ou o sol dar uma trégua para seguirem seu rumo. Logo percebi que as roupas que eu trouxe não serviriam, pois, a menina, Lorraine, tem nove anos e bem maior que você. O menininho, João Miguel, tem apenas 3 aninhos e, obviamente, não ficaria nada bem com suas roupas. A mãe, Nadia, estava costurando um vestido. As crianças comiam as bolachas que acredito que foram as que seu pai deu, distraídas. Me aproximei e puxei conversa, apesar da mãe estar um pouco desconfiada. Perguntei se eram eles que estavam querendo ir pra Rondonópolis, se tinham algum familiar lá. Ela me disse que não tem ninguém, mas que não queria ficar em Cuiabá, tinha que seguir viagem. Disse que iria tentar uma carona, e eu ofereci para pagar a passagem de ônibus deles. Ela aceitou imediatamente, mas eu expliquei que teria que leva-los ao terminal, já que os onibus não parariam ali. Ainda meio desconfiada, ela aceitou. Foi ai que vi que a vida deles era resumida a uma mala de mão e um trator gigante do João que nem na mala cabia, mas que a mãe fazia questão de carregar para o menino. A mãe é bem magra, aparência sofrida, olhar cansado. Mas as crianças aparentavam ser bem cuidadas - dentro das possibilidades deles. A Lorraine tem um olhar doce e notei que era muito cuidadosa e carinhosa com o irmão. E o João - fiquei apaixonada naqueles olhos e cabelos pretinhos e sorriso largo de dentes branquinhos - estava só de bermuda e mãe explicou que havia dado o chinelo dela para ele, porque o dele havia arrebentado, e era por isso que caminhava descalça. Começamos a colocar seus poucos pertences no carro e acomodei o João na cadeirinha. Essa cena quase me fez chorar, os olhinhos dele brilharam e ele ficou tão empolgado por ter sentado ali com o cinto cruzando seu peito. A irmã e a mãe falaram animadas: "Olha, João, você na cadeirinha" como se fosse algo de outro mundo. A irmã sentou ao lado dele e a mãe fez menção de sentar atrás também. Falei que podia sentar ao meu lado.

    Seguimos de volta na BR, rumo ao terminal de onibus, que ficava a uns 10 km dali. Logo no começo do caminho, parei e comecei a pensar em alternativas, ligando para as pessoas que conhecia, para ver se conseguia um lugar para essa família ficar, tentar se aprumar na vida. Seu pai ficava me ligando com ideias, mas , quando virei para ela e perguntei o que queria afinal, ela me disse tranquilamente: "Quero ir pra Rondonópolis". Diante disso, seguimos para o terminal e comecei a saber de sua história: Vinha do Rio Grande do Norte, já estava há um ano nessa vida, perambulando pelo país, já havia passado por 12 estados. Disse que quando conseguia assistência, eles teriam ajuda para voltar para a sua terra, mas era tudo o que ela não queria. O pai das crianças estava lá e ela tinha medida protetiva contra ele, se limitou a falar que "era muito violento". Perguntei se tinha familiares por lá, ela disse que sim, mas que o seu irmão "mais bonzinho", lhe concedia um teto em troca dela se prostituir e vender drogas. O que ela queria era ir para a Bahia, onde já tinha vivido antes e tido melhores condições. Eu não conseguia falar nada, logo eu... Simplesmente não conseguia imaginar o que essa mulher havia passado em sua vida, como eu poderia opinar? Me senti idiota depois por ficar repetindo "Meu Deus", "Que triste", "Poxa vida".

    Chegamos no terminal, ela logo desceu com as crianças e as levou para uma lanchonete que havia lá, comprou lanches para eles e eu pedi seus documentos para comprar as passagens. Aí pude ver que todos estavam sim com a mãe e devidamente documentados. Ela também me disse que receberia nos próximos dias o auxílio emergencial, mas que sempre dormia na rua com eles por que a prioridade era comer. Engoli seco mais uma vez.

    Entreguei as passagens para ela e mais um dinheiro para ela ir ao mercado ao lado do terminal e comprar sandálias novas para o João. Desejei a ela boa sorte e que Deus a acompanhasse , me despedi das crianças e entrei no carro de volta pra casa. Mas voltei diferente. Em meio as lágrimas, só conseguia pensar em quantas pessoas estavam passando por isso, quantas crianças, quantas mães. Só conseguia ser grata por ter uma casa para morar, roupas para vestir, comida na mesa e um lar amoroso. Esse tipo de coisa acontece com a gente para abrir nossos olhos, para pararmos de complicar nossas vidas com futilidades, com reclamações inúteis e discussões que não nos levam a lugar nenhum. Eu vi AMOR naquela família, tão carente, tão vulnerável e, para aquela mãe, era só o que ela precisava para continuar caminhando.

    Cheguei em casa com lágrimas nos olhos e te contei essa história. Você também ficou com os olhos marejados. No decorrer do dia, cada coisa que fazia eu pensava neles: um banho que você tomou que eles não deveriam saber o que era há tempos, seu uniforme que passei para ir para a escola que eles nem devem saber o que é, a comida feita na hora, sentados à mesa, uma cama confortável para dormir. E, sem eu dizer nada, antes da nossa oração antes de dormir, você me disse: "Mãe, vamos rezar pra Deus proteger aquela familia que você me falou mais cedo?". E assim tem sido. Uma semana se passou e eu permaneço com essa família no meu pensamento: "Onde será que estão? Será que encontraram alguém de bom coração no seu caminho? Estão conseguindo se alimentar? Onde estão dormindo?" Como não consigo ter respostas, só o que eu posso fazer é rezar por eles e agradecer a Deus por te-los colocado em nosso caminho, como uma forma de percebemos o quanto somos abençoados diante de tantos necessitados. E agradeço também por ter ajudado de alguma forma para que essa mãe continuasse na sua jornada. 

E que Deus os acompanhe...

FALANDO DE SENTIMENTOS

       Desde que passou o seu último aniversário no dia 14/04, senti que você andava meio relutante em ir para a escola: reclamando de acord...